Contextualizar o ambiente obesogênico é discorrer sobre os fatores que contribuíram para que estejamos inseridos hoje num ambiente que favorece a obesidade. Naturalmente este processo não ocorreu "de um dia para o outro" e, sim, ao longo de muitas décadas, em decorrência de uma série de modificações no estilo de vida do ser humano a partir do final do século XIX-início do século XX, em especial a partir da década de 20.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em 1900, as três principais causas de morte eram de natureza infecciosa: pneumonia/influenza, tuberculose e diarréia/enterite. À medida que foram ocorrendo estas mudanças no estilo de vida, associadas aos avanços medico-sanitários ao longo do século XX, elas foram sendo substituídas por outras doenças, abordadas neste artigo.
Doenças do Estilo de Vida, ou, em inglês, Lifestyle Diseases, são as doenças que se tornaram mais comuns à medida que os países se tornaram mais industrializados. São diferentes das outras doenças porque são potencialmente preveníveis, podendo ter a sua incidência diminuída com interferências ambientais e comportamentais eficazes, inclusive e especialmente com modificações da dieta e da atividade física. De fato, estas doenças representam a falência de adaptação às dramáticas mudanças no estilo de vida com o acelerado processo de industrialização, segundo o artigo Western diseases and their emergence related to diet, de 1982 (1). Isto porque o genoma humano se desenvolveu de forma a estar adaptado às condições de vida de centenas de milhares de anos atrás, muito diferentes das condições que surgiram com a industrialização e urbanização crescentes. (2)
O termo doenças da civilização (civilization diseases) passou a ser usado pelo fato destas doenças serem raras ou ausentes nos países subdesenvolvidos do Terceiro Mundo, aumentando a sua incidência à medida que passam a sofrer o processo de industrialização. (3,4)
Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) também é um termo bastante usado. Embora não sejam exatamente sinônimos, referem-se, de maneira geral, às mesmas doenças. Apresentam-se insidiosamente, durante anos e, uma vez estabelecidas, são difíceis de serem efetivamente "curadas". Estão muito associadas ao aumento da expectativa média de vida, figurando entre as doenças mais prevalentes no mundo nos dias de hoje e entre as principais causas de morte, como as doenças cardiovasculares e o câncer. Observe que, em ambas estas condições, a dieta é um componente importante de sua etiologia.(5) Em 1986, os autores do artigo The Western diet: an examination of its relationship with chronic disease, publicado no Journal of American College of Nutrition, comentaram que, nos 10 anos anteriores, muitas organizações já propunham alterações da típica "dieta americana" com o objetivo de diminuir a incidência destas doenças.(5)
Entre muitas Doenças do Estilo de Vida, citamos:
- Doenças cardíacas, em particular a Doença das Artérias Coronárias (DAC);
- Hipertensão arterial;
- Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs);
- Obesidade;
- Diabetes mellitus;
- Câncer;
- Doenças Hepáticas Crônicas, como Cirrose e Esteatohepatite Não-Alcoólica;
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC);
- Osteoporose;
- Doença de Alzheimer.
Sabemos que o processo de industrialização ocorreu inicialmente nos países ocidentais, como Inglaterra e Estados Unidos da América. Por isso que, em relação à dieta, passou-se a utilizar o termo em inglês "western diet", ou dieta ocidental. Procurando artigos no banco de dados Pubmed contendo western + diet no título, o mais antigo encontrado foi High salt content of western infant's diet: possible relationship to hypertension in the adult, publicado no periódico Nature, em 1963.(6) Isso para demonstrar que esta terminologia já é usada há bastante tempo.
Menos frequentemente utiliza-se o termo "occidental diet". Ambos se referem a uma dieta rica em gordura, açúcares refinados, sal e, naturalmente, em calorias. O fato da longevidade ter aumentado em muitos países com os recursos cada vez mais aprimorados da Medicina, mesmo com o aumento da prevalência destas doenças crônicas, levantou o questionamento se seria justificável "investir" nas modificações dos padrões dietéticos. (5) No entanto, a aderância à assim chamada dieta prudente (5) - aquela com baixo teor de gordura (low-fat diet), rica em fibras, contendo até 3 g de sódio por dia (leia-se "pobre em sal") e caloricamente adequada para atender as necessidades orgânicas - é, certamente, uma boa opção, contribuindo para um envelhecer com boa qualidade de vida.
Vários estudos, envolvendo diferentes povos em diferentes regiões do planeta, confirmaram que a ocidentalização da dieta favorece o aumento da prevalência das DCNT, como verificado com os aborígenes australianos que passaram a apresentar incidência crescente de obesidade (com um padrão andróide de distribuição de gordura), diabetes mellitus, intolerância à glicose, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia e hiperinsulinemia à medida que foram modificando o seu estilo de vida, tornando-se mais sedentários e deixando de consumir a sua dieta tradicional rica em fibras e em alimentos de baixa densidade calórica, segundo o artigo Westernization and non-insulin-dependent diabetes in Australian Aborigines, de 1991. (7)
A influência da dieta americana sobre os padrões dietéticos de outras culturas foi tão intensa que passou-se a utilizar também a expressão "americanização dos hábitos alimentares", que será discutida no próximo artigo sobre este tema.
Termino com a frase Life will find a way ou Life always finds a way - a vida sempre dá um jeito - uma expressão eternizada na novela de ficção científica Jurrassic Park - O Parque dos Dinossauros - de Michael Crichton, escrita em 1990, e adaptada para o cinema por Steven Spielberg. Sim, vamos dar um jeito. Esta situação parece ainda muito difícil de ser mudada, muito menos de ser revertida, mas acreditemos:"daremos um jeito". No entanto, isso somente poderá acontecer a partir do momento que "a contextualização do ambiente obesogênico" for realmente compreendida por todos os ramos da nossa sociedade.
Referências:
1 - Burkitt DP. Western diseases and their emergence related to diet. S Afr Med J. 1982 Jun 26;61(26):1013-5.
2 - Sobra J, Ceska R. [Diseases of civilization from the aspect of evolution of the human diet]. Cas Lek Cesk. 1992 Apr 10;131(7):193-7.
3 - Bickler SW, DeMaio A. Western diseases: current concepts and implications for pediatric surgery research and practice. Pediatr Surg Int. 2008 Mar;24(3):251-5.
4 - Civilization diseases and their relations with nutrition and the lifestyle. Physiol Res. 2009;58 Suppl 1:i-ii.
5 - Klurfeld DM, Kritchevsky D. The Western diet: an examination of its relationship with chronic disease. J Am Coll Nutr. 1986;5(5):477-85.
6 - Dahl LK, Heine M, Tassinari L. High salt content of western infant's diet: possible relationship to hypertension in the adult. Nature. 1963 Jun 22;198:1204-5.
7 - O'Dea K. Westernization and non-insulin-dependent diabetes in Australian Aborigines. Ethn Dis. 1991 Spring;1(2):171-87.
Dra. Isabela M. B. David (abran)